São Paulo — Mantido no cargo como parte da cota pessoal do prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), o secretário municipal da Educação, Fernando Padula, afirma que a pasta está blindada do assédio bolsonarista.
Padula garante que não haverá loteamento de grupos políticos que apoiaram Nunes na campanha eleitoral na estrutura da secretaria.
“A partir do momento que o prefeito me escolheu, é como uma porteira fechada, com liberdade técnica de escolha. Se fosse para ter uma composição política na educação, o secretário seria outro”, afirma Padula, ao ser questionado sobre o assédio bolsonarista sobre a pasta após a reeleição de Nunes.
Nesta semana, a ex-secretária de Educação de Curitiba, Maria Silvia Bacila, foi nomeada como secretária executiva Pedagógica da pasta, uma escolha pessoal do secretário.
Herdado da equipe de Bruno Covas, de quem era amigo de infância, Padula se diz grato pela confiança de Nunes, que o manteve na secretaria após assumir a prefeitura com a morte do ex-prefeito em maio de 2021.
Em relação à presença de uma direita ideológica na nova composição da Câmara Municipal, que promete uma ofensiva conservadora na cultura e educação, o secretário diz que seu foco será na aprendizagem dos alunos e que não pretende se envolver em discussões “laterais e menos importantes”.
“Estou aberto ao diálogo com todo mundo, da esquerda, direita e centro. Mas tenho uma única ideologia: a aprendizagem dos estudantes. Quero focar nisso. Quem quiser outras questões, discute lá na Câmara. Quero que [o estudante] tenha autonomia e liberdade. Para isso, ele precisa se alfabetizar e ter o seu direito de aprendizagem”, diz Padula.
Apesar de mantido no cargo, o secretário tem sido cobrado pelo prefeito para melhorar os índices de desempenho da educação paulistana, após amargurar resultados ruins durante sua primeira gestão.
“Boicote” nas avaliações
Em 2023, a rede municipal apresentou piora no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principal referência sobre a qualidade da educação no país, registrando nota 5,6 para os anos iniciais do ensino fundamental, menor que as notas de 2021 (5,7) e 2019 (6).
Outro gargalo foi a alfabetização dos estudantes. Segundo o Indicador Criança Alfabetizada do Ministério da Educação, apenas 37,8% dos alunos da rede municipal de São Paulo são alfabetizados na idade certa. A cidade ocupa apenas a 21ª posição no ranking de alfabetização entre as capitais atualmente.
Questionado sobre o que provocou os índices abaixo do esperado, o secretário elencou uma série de pontos que considera positivos da rede e sugeriu que os resultados ruins foram provocados, em parte, por uma suposta resistência de professores com avaliações de desempenho como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), prova utilizada para compor a nota do Ideb.
“Quais são as características da rede? O salário era R$ 3.823 o piso, passou para R$ 5.533. O plano de carreira da prefeitura é um plano desejado, temos um baixo índice de contratados [temporários], tem recurso nas unidades para manutenções. É uma rede potente. As condições estão dadas. Não é para São Paulo estar nesse patamar, tem que estar muito melhor”, afirma.
Para o secretário, os servidores precisam se concentrar nos estudantes e deixar a “questão ideológica” de lado. “Não tem mais espaço para uma questão ideológica, partidária ou corporativa. Do tipo: ‘sou contra avaliação’, ‘sou contra o currículo’. Tem escola que não atinge nem o mínimo do resultado de avaliação, que não usa o dinheiro do PTRF [Programa de Transferência de Recursos Financeiros]. Quem sai prejudicado? O estudante.
Temos todas as nossas opções políticas e partidárias, [mas] do muro da escola para fora. Vamos nos concentrar em garantir o direito de aprendizagem”, diz.
Perguntado se estava falando em uma espécie de “boicote” dos educadores contra a gestão, Padula afirma que “existe, sim, gente que é contra a avaliação e contra o currículo”. “Não quero saber a carteira de filiação de ninguém, cada um tem a sua opinião e seu livre direito democrático. Mas vamos focar no aluno, porque se ele não se alfabetizar e não aprender, não rompemos o ciclo da pobreza”.
Promessas para melhorar ensino
Uma das ações planejadas pelo secretário para melhorar o ensino em São Paulo é fazer um “um monitoramento maior” da rede e seus problemas por meio do trabalho dos supervisores.
Outras iniciativas previstas são investir no reforço escolar com a atuação dos professores do Projeto de Apoio Pedagógico (PAP) e destinar mais recursos para escolas com maior número de alunos em situação de vulnerabilidade. A secretaria também vai premiar em dinheiro professores e escolas que atinjam metas desenhadas pela gestão.
Com o objetivo de avançar na alfabetização dos estudantes na cidade, Padula afirma que a partir deste ano a rede fará mudanças no ciclo de alfabetização, reduzindo de três para dois anos o tempo para que uma criança aprenda a ler e escrever.
O chefe da pasta da educação também defendeu que a decisão de passar para os diretores a responsabilidade de definir quais professores ficarão em cada turma vai impactar positivamente as escolas neste ano. A mudança foi aprovada pela Câmara dos Vereadores em dezembro e recebeu críticas dos servidores.
“Muitas vezes eu ouvia o seguinte [dos diretores]: ‘Secretário, eu tenho uma ótima alfabetizadora, mas ela só escolhe o quinto ano’. [A mudança] gerou uma gritaria, mas paciência, a gente atendeu o estudante. Entre ter uma professora que é alfabetizadora no primeiro ano e uma que não é, eu prefiro a alfabetizadora, ainda que ela não fique muito feliz”.
Escola Cívico-Militar
O secretário disse que a implantação do modelo cívico-militar na rede municipal não é, neste momento, uma prioridade. “O Estado nem regulamentou a adesão dos municípios. Acho que tem que consultar a comunidade escolar”.
“Eu não vou nem trabalhar pra ele [o projeto cívico-militar], nem impedir, se for um desejo da comunidade. Tem que ter uma consulta democrática, explicar, pensar em como será. E, se for uma coisa que a comunidade entenda, e se o Estado, quando regulamentar, disser que os municípios podem aderir [vamos fazer]. O prefeito manifestou o interesse. Mas não é uma prioridade”
Privatização na educação
Padula afirma que o projeto de passar a gestão pedagógica de 50 escolas da rede municipal para a iniciativa privada ainda está em fase de estudos, mas as primeiras diretrizes sobre o modelo já começaram a ser desenhadas.
“Não haverá parceria com empresa privada nem com colégio com fins lucrativos. A ideia é atrair colégios de ponta sem fins lucrativos. Você pega um Dante [Alighieri], é um colégio sem fins lucrativos. Um Liceu Pasteur, ou um [Colégio Marista] Arquidiocesano, Santa Cruz, Santo Américo, são colégios que poderiam ser parceiros da prefeitura. Não sei se eles vão ter interesse ou não, mas poderiam”, explica.
O projeto será inspirado no convênio assinado pela gestão com a entidade Liceu Coração de Jesus, responsável pelo colégio de mesmo nome, que fica no centro da capital, próximo à região da Cracolândia.
“É uma inspiração no Liceu, mas não é a mera replicação. Do ponto de vista jurídico, há duas possibilidades: uma que é o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, que é onde se encaixa o Liceu e se encaixaria qualquer colégio filantrópico. O outro é o modelo de Organização Social, como tem na cultura e na saúde”, afirma o secretário.
O secretário afirma ainda que, assim como já acontece no Liceu, nas 50 escolas que passarem pelo projeto, o uniforme, o material escolar e o currículo seguirão aquilo que já é utilizado nas outras escolas da rede municipal.
Celular nas escolas
O novo ano letivo, que começa na próxima quarta-feira (5/2), terá como novidade a proibição do uso de celulares nas salas de aula, determinado por leis federal e estadual.
Padula explica que as diretrizes para a rede municipal ainda estão sendo discutidas no âmbito do Conselho Municipal de Educação, que enviará à secretaria as recomendações que serão encaminhadas às escolas.
O secretário defende que os alunos não entrem com os aparelhos nas unidades, com exceção de ocasiões em que os celulares serão usados em atividades pedagógicas.
“Lembrando que as unidades têm tablets, além do laboratório de educação digital. Devemos seguir a lei e proibir o uso abusivo de celular, porque ele distrai na aula, traz prejuízos emocionais e limita o contato entre pessoas, o tal do recreio silencioso. Mas isso não quer dizer que a escola deve ser uma ilha distante da tecnologia”, afirma.
Municipalização
Desde o ano passado, a Prefeitura de São Paulo promoveu a municipalização de 50 escolas de ensino fundamental que eram da rede estadual. Padula defende o modelo e argumenta que a integração entre os ensinos infantil e fundamental é benéfica aos alunos.
“Eu acho muito dura a ruptura. A criança está lá brincando na EMEI e, de repente, chega no primeiro ano do fundamental, enfileira todo mundo, fica um olhando para a nuca do outro com seis anos de idade. E onde está o brincar? Acho que pedagogicamente tem tudo a ver”, afirma.
O secretário diz que a gestão avalia a possibilidade de ampliar a iniciativa.
“Agora estamos focados no processo pedagógico para garantir a alfabetização e a aprendizagem, mas na sequência vamos passar por um novo planejamento estratégico e definir o plano de metas para encaminhar para a Câmara, que vai definir se e quando se pretende fazer [a municipalização]”, explica.